Um ano após o vírus da zika se instalar em diversas regiões do país e gerar correria por repelentes, informação, diagnóstico e medo da microcefalia, Campinas (SP) tem motivos para se orgulhar. Pesquisadores da Unicamp seguem avançando nas descobertas sobre a relação do vírus com malformações neurológicas. Por outro lado, os bebês nascidos com microcefalia na cidade desde então seguem sob investigações e incertezas.
“A Unicamp criou uma rede multidisciplinar de enfrentamento desse problema do zika vírus, ela tem áreas de atuação desde pesquisas sobre a doença até o desenvolvimento de alternativas para tratamento, prevenção e combate do mosquito”, explica o professor e virologista do Instituto de Biologia, José Luiz Modena.
Diagnóstico barato e rápido
Modena adiantou ao G1 que os pesquisadores já conseguiram descobrir os marcadores biológicos do vírus da zika em humanos, a partir da técnica que desenvolveram para localizar os marcadores nos mosquitos transmissores da doença.
A novidade já está sendo patenteada e está em processo de publicação internacional, segundo o virologista.
“Já temos hoje marcadores específicos de virus da zika em humanos que permitem diagnóstico dez vezes mais barato e em 20 minutos”, revela o pesquisador.
Mais detalhes da pesquisa, no entanto, só poderão ser divulgados após a finalização do processo de patente.
Laboratório de referência
Atualmente, a universidade está em processo de se tornar um laboratório de referência, como o Instituto Adolfo Lutz, em SP, e a Fiocruz, no RJ. Por enquanto, os exames que faz para chegar no diagnóstico de zika ainda são encaminhados para o instituto em SP.
Por meio do sangue, soro ou urina, de pacientes com os sintomas da zika – febre e manchas vermelhas no corpo – a Unicamp chega em um diagnóstico em três dias. Os testes são feitos em adultos e crianças, gestantes e pessoas com complicações neurológicas.
“O método que usamos, recomendado pelo Ministério da Saúde, é o PCR em tempo real, no caso da zika. É um método rápido”, explica.
Ao todo, a universidade recebeu 480 amostras de pacientes de Campinas e região desde fevereiro deste ano, quando os exames começaram a ser disponibilizados.
“Mais de 100 foram positivos para zika e, desses, 14 eram gestantes. Das grávidas, uma das crianças nasceu com malformação neurológica sugestiva de microcefalia, e outra com exantema [manchas vermelhas] pelo corpo. As outras nasceram normais”, afirma Modena.
Novas pesquisas
Há, ainda, novas pesquisas começando na universidade, que é referência no Brasil. Por exemplo, com foco para tentar encontrar fatores genéticos que podem ser os fatores de risco para o desenvolvimento de microcefalia durante a gestação.
Até a flora intestinal pode ter relação com a predisposição de uma gestante para desenvolver ou não um quadro de microcefalia no embrião ou feto, se ela for infectada pela zika.
“É para analisar a população de micro-organismos que temos no intestino. Cada pessoa tem a sua própria flora, e isso regula aspectos do corpo incluindo a resposta imune”, explica Modena.
Segundo ele, as publicações sobre zika este ano superaram as pesquisas sobre HIV. “No geral o avanço foi muito grande. Não só na Unicamp, mas no mundo. Nunca tinha visto antes, a velocidade como tudo aconteceu”, ressalta.
A universidade faz, ainda, um trabalho social de acompanhamento das gestantes, com assistência psicológica, e dos bebês.
68 bebês com microcefalia
O Departamento de Vigilância em Saúde, vinculado à Secretaria Municipal de Saúde de Campinas, registrou 68 bebês nascidos com microcefalia desde novembro de 2015 na cidade, quando os casos começaram a ser notificados obrigatoriamente, a pedido do Ministério da Saúde.
Segundo a médica infectologista Valéria Correia de Almeida, o critério para que uma criança nascida seja contabilizada ainda gira em torno do perímetro cefálico do bebê, o tamanho da cabeça.
“Toda a criança que nascer com a medida do perímetro cefálico abaixo de dois desvios padrões, que a média. Isso é uma estatística. Todas as crianças que tiverem cabeças muito pequenas vão ser investigadas. Não necessariamente pode ser uma alteração, pode ser constitucional dela”, explica a especialista.
Essa medida de dois desvios padrões varia de acordo com a idade gestacional que a criança nasce, por exemplo com 34, 36, 40 semanas. Cada idade tem uma medida esperada para o tamanho da cabeça.
Malformação e investigação
A malformação cerebral pode ser causada por infecção durante a gravidez – por vírus como a zika, toxoplasma e citomegalovírus -, por alterações genéticas ou mesmo pode ser do biotipo da criança.
Todos os 68 bebês com microcefalia passaram por exames de ultrassom ou tomografia de crânio, que verifica lesões cerebrais. Apenas nove crianças apresentaram alterações no sistema nervoso central compatíveis com infecção na gestação.
“As outras 59 podem ter uma doença genética que causa microcefalia. Síndrome de Down, sífilis e HIV, que não apresentam alteração compatível com os outros vírus”, explica.
Somente em sete casos os bebês apresentaram probabilidade maior para a relação do vírus da zika com microcefalia, porque as mães tiveram os sintomas da zika durante a gravidez. “Mas nenhum exame feito nas crianças deu positivo para o vírus da zika. Pode ser que não dê pra verificar”, ressalta a infectologista.
É importante lembrar que o zika durante a gravidez pode causar a microcefalia ou outras alterações no sistema nervoso central. “É importantíssimo que a mulher grávida faça o uso de repelente durtante toda a gravidez e, como já foi comprovado que a transmissão por relação sexual existe, é importante o uso do preservativo. Pessoas que tenham tido zika devem aguardar seis meses para engravidar, inclusive se foi o parceiro que se infectou”, alerta.